Religião e gastronomia nas tradições de Porto d' Ave



O Santuário de Nossa Senhora de Porto d’Ave estava completamente lotado. Entrar era praticamente impossível. Cá fora, os fiéis foram escutando a eucaristia pelas colunas que foram instaladas pela organização. De Manuel Linda, bispo auxiliar de Braga, durante a homilia, ouviram-se palavras a convidar a uma reflexão. Uma correcção de comportamentos em nome dos verdadeiros valores da igreja.


“A Igreja é vista como um porto de salvação”, começou por referir. “Contudo vale mais dar três voltas de joelhos ao Santuário ou confessar-se, procurando a remissão dos pecados?” Por vezes ouve-se que são os próprios padres que estragam a Igreja, todavia já muitos ouviram o Papa falar na fé. Este é realmente o ano da fé e é preciso pensar nos verdadeiros valores da igreja. Não basta dar três voltas de joelhos ao Santuário, como não basta levar a noiva ao altar ou os filhos à cataquese”, considerou Manuel Linda, numa alusão à alteração de comportamentos.

Cá fora os fiéis mantinham-se em silêncio. À escuta. De pé ou sentados na pedra do santuário ou até em bancos trazidos de casa. À procura de uma sombra, porque a manhã em Porto d’Ave convidava a fugir da dureza e da intensidade dos raios de sol. As palavras de Manuel Linda deixaram alguns a brilhar. Renovou-lhes a esperança, mesmo com o convite à reflexão. A bondade, o amor ao próximo, os comportamentos de acordo com a lei da Igreja, assentes numa fé inabalável, foram os aperitivos para a romaria. “Sabe bem vir à Igreja”, disse uma das fiéis, que pela sua expressão deixou transparecer algum tempo de ausência.


O bife que parece manteiga e o mito do melão que pica

Há quem diga que em Porto d’Ave, nos dias de romaria, se come o melhor bife do mundo. Bastam umas pedras de sal, num avantajado naco de vazio que até sai por fora do prato e na boca parece manteiga. A sobremesa também é de respeito. Melões casca de carvalho, os famosos que picam na boca. Mas para os encontrar, quase um tesouro se tem que procurar...
“O bife até os desdentados os podem comer”, diz André Marques para o seu filho de 5 anos. “Como eu pai? Como tu e não só meu filho”.

Vítor Fernandes, proprietário de um dos restaurantes, natural de Fafe, e que marca presença nas principais romarias do Minho mostrou-se agradado “com o empenho da organização em criar todas as condições”. O seu espaço estava equipado com todo o tipo de máquinas, de forma “a oferecer o melhor aos clientes”.
Sobre os bifes garante que “tem que ser de boi ou de vaca. Há quem use novilho ou vitela, mas o sabor é totalmente distinto. Este tipo de carne leva apenas uma pitada de sal, uns minutos na grelha e na boca é uma delícia”. Pagou 400 euros pelo espaço, garantindo que “este preço já não muda há alguns anos”. “É importante que a a organização tenha pense dessa forma, de modo a que a tradição se mantenha bem viva”, acrescentou.

Uma descida no espaço, rumo às carrinhas de melões e melancias. A promessa do verdadeiro casca de carvalho está nas mãos de António Teixeira. Durante a semana trabalha “numa fábrica”, ao fim-de-semana desloca-se às festas para vender e ajudar o pai. “Chego a vender 500 quilos num dia”. Dizem os antigos que o verdadeiro casca de carvalho é mergulhado em água e vai ao fundo. Os que picam. Os outros ficam à tona. António Teixeira defende que isso “é um mito”.

“Consigo perceber sem os mergulhar na água e garanto-lhe que vai picar”. E as vendas estão a correr bem? “Mal. Este ano há muita concorrência”. Compra feita para fazer o teste. Há quem diga que só em mil é que lá aparece um que pica. São os mitos de um melão, quase considerado tesouro nacional.

Os diabetes...

A romaria de Porto d’Ave é igualmente pródiga nos doces tradicionais. Cavacas, miniaturas, um pão doce, broas de milho caseiras, rolinhos de marmelada e até o pão de Deus. São várias as bancas com as vendedoras a chamarem pelos visitantes. “Ó cara linda não quer um docinho? Para levar para a esposa? Ou para dar aos meninos?”. Sobe-se a rampa e são várias as frases de engate ao cliente. Está a correr bem o negócio? “Mal muito mal. Esta crise tornou as pessoas azedas. Ninguém quer gastar dinheiro ou estão todos diabéticos”, defende a vendedora Pureza Gonçalves.


03-09-2012 - Correio do Minho

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